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Mulheres existem para além da condição de mães e esposas

Em que as mulheres tem tido seu destino historicamente reduzido ao matrimônio e a maternidade, o gozo feminino enquanto não-todo, conforme enfatizado por Lacan, não se deixa encobrir de forma absoluta por essas categorias. Em que a maternidade e o matrimônio realizam a mãe e a esposa, não podem realizar a mulher, que escapa para além dessas lógicas, apresentando um gozo que não se conforma, não se reduz à estes lugares.


Não em vão, Freud, na conferência sobre a feminilidade, aponta para a impossibilidade em descrever o que é a mulher, mas que sua tarefa ali se reduz a descrever como a mulher vem a ser, como se desenvolve a partir da criança inatamente bissexual. E ainda que ao dizer sobre o desenvolvimento de uma feminilidade normal, aponte para a reinvidicação fálica como realizada na maternidade pela equivalência simbólica do filho como falo, o próprio Freud, ao finalizar essa conferência, aponta que a retratação que faz ali acerca da mulher é conferida por sua função sexual, e que apesar da grande influência que tal fator exerce em sua determinação, não podemos perder de vista que uma mulher é também um sujeito humano em outros aspectos.


Em que Freud toma a assunção da feminilidade pela via do ter a criança enquanto substituto do falo – ainda que como visto acima, não reduza a mulher a esta condição , – Lacan, no que aponta para o gozo não-todo, inscreve um outro desejo que não se satisfaz na relação da mãe com a criança. Ou seja, para Lacan, a mulher não assente pela mãe, mas pelo contrário, escapa à esta, enfatizando uma dissociação entre a mãe e a mulher.


Este lugar de maternidade se encontra intimamente articulado ao imaginário que reduz a mulher à vida doméstica. Em 1963, Betty Friedan denunciava em A Mística Feminina este imaginário de que as mulheres só poderiam se realizar na vida doméstica, através dos cuidados com a casa, os filhos e o marido. Enquanto a identidade masculina era voltada para a vida pública, as mulheres eram educadas para à vida doméstica, não sendo incentivadas em relação à educação ou a carreira profissional, assim como privadas de participação na vida política e cultural da sociedade, uma vez que se pregava que ser esposa, mãe e dona de casa bastava para que se sentissem realizadas como mulher, anulando assim sua condição de sujeito e gerando nessas mulheres frustrações e problemas de ordem social e psicológica.
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Se após a segunda onda do feminismo as mulheres passam a ocupar o mercado de trabalho, essas não abandonam à vida doméstica, mas ainda cerceadas pelo imperativo da maternidade e do matrimônio, passam a executar uma dupla jornada, e assim, continuam impedidas de se realizar fora do campo privado.
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Assim, o que vemos são mulheres exaustas, pela carga de trabalho que lhes é destinada, e adoecidas, pois no que não se realizam na promessa feita pela vida doméstica – assim como essa mesma vida doméstica as ocupa de forma a não conseguirem ocupar outros lugares, deparam-se com um vazio ao nível da própria existência no que são impedidas de se realizar enquanto sujeito. De tal forma, se as mulheres precisam inventar um novo lugar para si mesmas, isso não se faz sem que os homens também assintam à um novo lugar que não se construa, como atualmente, em detrimento das mulheres.

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