Em que a busca pela felicidade aparece como um imperativo na sociedade contemporânea, tomando a tristeza, o sofrimento e a infelicidade como estados rechaçados e patologizados e que devem ser absolutamente excluídos da vida dos sujeitos, e a associação da felicidade aos ideais de consumo – seja materiais ou estéticos, o que vemos, pelo contrário, é o aumento de diagnósticos dos transtornos de humor, como a depressão tão presente em nossa época, e uma medicalização compulsiva na tentativa de privar os sujeitos que qualquer sentimento negativo que possam expressar, tornando-os novamente aptos a produzir e a consumir como forma de suprimir a angústia do vazio que os corroem.
Em “O mal-estar na civilização” (1930), Freud nos lembra que se o que os homens desejam enquanto finalidade da vida é a felicidade, sendo essa felicidade entendida como a ausência de dor e desprazer e, por outro lado, a vivência de fortes prazeres, sendo tal finalidade articulada ao principio do prazer, a possibilidade de sua realização está em desacordo com o mundo inteiro, diz Freud, “É absolutamente inexequível, todo o arranjo do Universo o contraria.” “Aquilo a que chamamos ” felicidade”, no sentido mais estrito, vem da satisfação repentina de necessidades altamente represadas, e por sua natureza é possível apenas como fenômeno episódico. Quando uma situação desejada pelo princípio do prazer tem prosseguimento, isto resulta apenas em um morno bem-estar; somos feitos de modo a poder fruir intensamente só o contraste, muito pouco o estado. Logo, nossas possibilidades de felicidade são restringidas por nossa constituição.”
Assim, no que nossa sociedade se edifica pelo imperativo da felicidade, o que ela nega é a impossibilidade da felicidade como um estado permanente, já que a felicidade, afirma Dunker, é da ordem da contingência, e “aquele que espera ser feliz como um estado permanente acaba negando a contingência da vida e a aceitação dela como um princípio maior. Eventualmente a gente se torna muito infeliz perseguindo uma felicidade super-humana.”
Na tentativa de criar um imperativo de felicidade e associá-lo a lógica do consumo, significando a felicidade enquanto materialização de bens de consumo, de produtividade e de padrões estéticos, cria-se uma promessa universal – cabe ressaltar, impossível de ser cumprida, tanto pela impossibilidade dessa universalidade que visa apagar as particularidades e possibilidades de singularidade dos sujeitos – do que é felicidade, lançando aos sujeitos em um estado de angústia, tanto quando não conseguem corresponder a este ideal quanto quando este ideal não suprime – e nunca suprime – a falta inerente a nossa existência.
Entendemos, com Freud, que a felicidade é da ordem não do universal, mas da indeterminação. Ainda em “O mal-estar na civilização” (1930), Freud nos adverte que “o programa de tornar-se feliz, que o princípio do prazer nos impõe, não pode ser realizado…. A felicidade, no reduzido sentido em que a reconhecemos como possível, constitui um problema da economia da libido do indivíduo. Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo.”
A felicidade está então em reconhecer sua própria impossibilidade como um absoluto, e em encontrá-la nos detalhes daquilo que nos é particular. A felicidade está não em se adequar de forma absoluta aos mandos da cultura – assim como não em existir de forma isolada destes, uma vez que todo laço exige uma adequação – que traçam uma estratégia universal de felicidade reduzida ao acumulo patrimonial, a diferenciação pelos objetos, a objetificação e padronização dos corpos e a constituição de uma instituição familiar, para citar alguns, mas em sustentar o próprio desejo.